Quando mudamos de Campinas para o Piauí não imaginávamos como a vida fluiria de maneira diferente por aqui.
Parecia simplesmente mudar de uma cidade organizada (ou desorganizada?) para uma vila de pescadores em um dos estados mais esquecidos deste imenso Brasil. A mudança nos mostrou estarmos certos em algumas das expectativas, mas também nos surpreendeu em outros pontos...
Por exemplo, a organização dos serviços públicos disponíveis. Em Campinas estávamos acostumados com o lixeiro passando para coletar o lixo todos os dias na frente de nossa casa, com a separação dos materiais recicláveis e a destinação correta destes resíduos (pelo menos na propaganda).
Aqui, o assunto lixo é um grande problema: a coleta, que deveria ser feita duas vezes por semana, às vezes fica esquecida pela prefeitura por mais de 10 dias; as lixeiras disponíveis são baldes que ficam expostos e são facilmente acessados pelos animais soltos pela rua (jegues, vacas e porcos); a coleta de materiais recicláveis não existe.
Felizmente, os outros aventureiros que trocaram suas cidades por aqui têm uma consciência diferente e agem para evitar que a cidade vire um lixeiro a céu aberto: constroem barricadas de madeira ao redor dos latões para evitar o acesso dos animais, reusam os materiais na medida do possível (por exemplo, garrafas plásticas e de vidro viram itens de decoração nas casas e jardins), procuram produzir a menor quantidade de lixo possível, saem em carreata na praia após os feriados e finais de semana coletando o lixo deixado pelos turistas sem consciência do impacto ambiental que causam.
Neste mês, cansados do descaso da prefeitura com Barra Grande, tomaram a atitude de coletar donativos nas pousadas e restaurantes e providenciaram uma limpeza geral na entrada da cidade. O plano é criar ainda uma coleta seletiva e colocar garis para garantir que a cidade fique limpa e organizada. Infelizmente não podemos esperar pela atitude dos órgãos públicos se quisermos resolver estes problemas. Pelo menos temos por aqui gente que não fica aguardando, temos gente que age!
A água também é um grave problema por aqui. Além de dependermos de poços artesianos, quando queremos colocar água encanada em nossas casas, temos que arcar com os custos de material e mão de obra para “puxar” os canos da central de abastecimento de água para a entrada dos terrenos. E ainda rezar para que a água seja liberada diariamente, o que acontece em sua maioria somente algumas horas por dia. Mais custos envolvidos para colocar uma sisterna de armazenagem...
A energia elétrica já teve dias piores, onde o abastecimento era escasso e intermitente. Agora as oscilações diminuíram muito, mas pagamos um alto preço por isso: o valor do kilowatt-hora aqui é o dobro do valor cobrado em São Paulo, além de pagarmos uma taxa de iluminação pública que quase não existe. A lanterna é um item quase obrigatório na bolsa quando se sai à noite, se você não vai circular pela via principal.
São problemas que não acabam mais em questão de organização pública. Aguardamos cegamente as próximas eleições, mas também sem muitas esperanças, visto que a política por aqui é tão complicada quanto em qualquer outro estado do Brasil, porém ainda com menos visibilidade.
Apesar de tudo, ainda temos que apontar as vantagens de ter trocado a vida em São Paulo pela vida aqui: a tranquilidade de poder dormir com as portas abertas, morar em casas sem muros e cerca elétrica, a possibilidade de comer caju e acerola no pé, tomar água de coco do seu coqueiro do quintal, a confiança que as pessoas tem umas nas outras e a cooperação geral que acontece na vila. São coisas que hoje em dia nem vemos nas grandes cidades e que passaram a ser tão raras que, quando as encontramos aqui, vimos que vale a pena trocar um pouco de organização pela qualidade de vida que é possível ter num lugar remoto do Nordeste brasileiro.
Ver ainda que podemos colaborar com a educação e o desenvolvimento desta vila é ainda mais gratificante. Da mesma maneira que ficamos muito felizes de sermos inspiração para tanta gente, sejam moradores locais, turistas ou amigos que ficaram em São Paulo e já estão tomando a mesma atitude: mudando e arriscando, porque a vida pode ser muito mais do que aquela à qual estamos acostumados...
Basta querer!